20 anos depois. Afinal, mais 2 anos que a maioridade.
Um texto quase (só) político
“«Há-de haver…»
Há-de haver uma cor por descobrir,
Um juntar de palavras escondido,
Há-de haver uma chave para abrir
A porta deste muro desmedido.
Há-de haver uma ilha mais ao sul,
Uma corda mais tensa e ressoante,
Outro mar que nade noutro azul,
Outra altura de voz que melhor cante (…)”
José Saramago, in Os Poemas Possíveis
Embalado nos versos do Nobel, do nosso Nobel, José Saramago, apetece escrever bem fundo no papel… Há-de haver um futuro diferente para Mafra!
Mesmo volvidos 20 anos, e em momento de celebração da memória nacional, Saramago não é justamente valorizado em Mafra. O poder vigente, sempre com tanta vertigem nos assuntos que mais votos dão, continua a querer fazer esquecer (ou a não relembrar) o escritor José Saramago, o primeiro e único Nobel atribuído à literatura lusófona. Um nome para sempre ligado a Mafra através da sua obra “Memorial do Convento”. Por estes dias, Mafra deveria estar a participar diretamente numa justa homenagem a um dos maiores nomes da literatura portuguesa.
A única razão que explica o afastamento da política da edilidade em relação a este assunto, é uma razão puramente seguidista, ideológica, tacanha. Ainda na pretérita segunda-feira, o Presidente da República, tentando emendar erros do passado que foram praticados pela sua família política (a mesma que governa Mafra) classificou de “falta de senso e falta de gosto”, o veto governamental de 1992, à candidatura de uma obra de Saramago a um importante prémio europeu.
Mas ainda vamos a tempo de corrigir, de fazer o que ainda não foi feito. Encaminho os leitores para um artigo publicado em 23 de fevereiro de 2018… https://www.dn.pt/lusa/interior/mafra-promove-se-pouco-atraves-de-saramago-20-anos-depois-do-nobel—estudo-9139342.html
Quando o lemos, percebemos que os caminhos estão aí, prontos a serem percorridos. E resulta óbvia a mais valia de aliarmos o nosso torrão (no sentido que Torga lhe deu) ao Nobel de Saramago. Talvez não dê assim tantos votos, ou não seja tão facilmente traduzível a sua expressão nas urnas, como o é, a produção e presença numa festa ou um ar grave e reverendíssimo numa procissão, mas estaríamos a prestar um enorme serviço à nossa cultura, ao nosso país e assim a engradecer-nos enquanto povo.
Sabemos que não é fácil mudar comportamentos, mesmo quando eles estão baseados numa ideologia que não existe; aliás Saramago plasmou-o sublimemente no seu Memorial do Convento, quando escreveu… “Porque, enfim, podemos fugir de tudo, não de nós próprios.” Mas não podemos desistir. Mafra merece ser reconhecida também pelo “seu” Nobel.
Por aqui vivemos e somos governados pela política dos lugares comuns, do imediato, sem visão, pela política da inatenção aos princípios que qualificam a democracia, pela política do receio em mudar, situacionista, pela pequena política das frases feitas. Mas para quê alongar em palavras, se José Saramago, neste campo, escreveu sublimemente no seu romance A Caverna… “Autoritárias, paralisadoras, circulares, às vezes elípticas, as frases de efeito, também jocosamente denominadas pedacinhos de ouro, são uma praga maligna, das piores que têm assolado o mundo. Dizemos aos confusos, Conhece-te a ti mesmo, como se conhecer-se a si mesmo não fosse a quinta e mais dificultosa operação das aritméticas humanas, dizemos aos abúlicos, Querer é poder, como se as realidades bestiais do mundo não se divertissem a inverter todos os dias a posição relativa dos verbos, dizemos aos indecisos, Começar pelo princípio, como se esse princípio fosse a ponta sempre visível de um fio mal enrolado que bastasse puxar e ir puxando até chegarmos à outra ponta, a do fim, e como se, entre a primeira e a segunda, tivéssemos tido nas mãos uma linha lisa e contínua em que não havia sido preciso desfazer nós nem desenredar estrangulamentos, coisa impossível de acontecer na vida dos novelos, e, se uma outra frase de efeito é permitida, nos novelos da vida.”
Obrigado. Muito obrigado José Saramago
Alexandre Seixas, outubro de 2018